Há vivências memoráveis na fotografia. Mais que isso, definem-nos. Definem um percurso, um estilo pessoal, a procura, as ambições, o querer ir mais além, atingir algo inédito.
Esta história passa-se no Cabo da Roca, e é sobre uma das praias selvagens (quase) inacessíveis por via terrestre (entenda-se, neste caso, escalada).
Em conversa com um pescador, a quem ajudei a libertar de um atascamento a sua lambreta pelos acessos às falésias, contou-me que há 11 anos que não desce aquela falésia que dá o acesso directo à praia, que envolve cordas, escada, mais corda, escalada e mais corda… É precisamente esta praia que há muito tempo eu intencionava ir.
Para mim, ela está no Top 3 dos sítios mais extremos/perigosos/selvagens do Cabo da Roca – a saber – Pedra de Alvidrar e Baía do Terramoto tem acessos que roçam o limite do impossível sem equipamento de escalada… mas os pescaladores fazem-nos ou fizeram-nos antigamente, com cordas, algumas ainda existentes, outras que desapareceram com a erosão das arribas.
Esta praia é envolvida por maciço calcário escavado pela erosão marítima que deu origem a cavernas gigantes, várias, são galerias subterrâneas à semelhança da falésia do Cavalo da Adraga, mas aqui em território que quase ninguém conhece, à excepção de pescadores, escaladores ou (talvez) espeleólogos.
Não é um local para qualquer um; quantas pessoas tão pouco ousavam a aproximar-se do inicio de um trilho na ravina de três dezenas de metros de altura, para percorrer um carreiro da largura de dois pés juntos e com cordas à mistura para escalar desníveis em plena escarpa sobre um mar revolto lá em baixo? O que o tempo e a experiência me têm ensinado é que não há assim tantos impossíveis, apesar das falésias vertiginosas. Os pescadores têm traçado os seus caminhos e acessos há décadas.
O meu propósito para aceder ao local desde há anos para cá, sem descer directamente a falésia, requer condições verdadeiramente inéditas. Mas é possível. E até por Norte ou Sul!
Durante esta semana, ocorreu uma das marés mais baixas de todo o ano, sob a influência de ondulação fraca, que permite que o mar recue muito para além do habitual. Simultaneamente, uma grande quantidade de areia que não se tem verificado desde há vários anos, estendia um tapete entre a Pedra da Ursa, a Gigante e a Pedra de Alvidrar. Isto são condições raras e muito específicas, e precisamente abre a oportunidade – uma pequena janela de tempo – onde eventualmente será possível contornar o sopé das arribas e aceder aos locais mais improváveis, vedados pelo mar quase todo o ano. Mas só durante uma manhã isto aconteceu, aliás só durante uma hora ou pouco mais.
Fui com o Paulo Lopes, e tivemos a nossa oportunidade. Mas em certo ponto da travessia pela base da ravina, a areia estava mais cavada, e fazia um fundão…
Sim, eu sei, parecia inacreditável atravessarmos a nado. Atravessámos. É manhã, é frio, é a paisagem remota e rigorosa do Cabo da Roca. Mas é onde a pedra e o mar conjecturaram um paraíso muito próprio. E pisámos aquele chão da Praia do Caneiro.
Por um lado sente-se a vitória e a conquista, como um novo mundo que se descobre, novas realidades, por outro a frustração. Na passagem do fundão não conseguimos levar equipamento fotográfico.
A janela de tempo fechou-se. No dia seguinte, em que teoricamente a maré seria igualmente baixa, voltei às falésias. A areia ainda lá estava… Mas as ondas eram altas. E voltava a ter o acesso impossível.
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